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6º DISCURSO DE MARIA MONTESSORI SOBRE EDUCAÇÃO CÓSMICA - 1936

Nesse pronunciamento, Maria Montessori pede desculpas ao público por desviar o assunto da prática montessoriana para o tópico não tão falado da Inteligência Humana.

“A Inteligência do Homem é produto do trabalho construtivo da criança.


É errôneo ter uma visão estática do desenvolvimento da inteligência e assumir que este seja devido ao que acontece naturalmente com o passar dos anos. Se ater a este pensamento é deixar de perceber correta e profundamente as necessidades psíquicas da criança. É preciso reconhecer que a criança sozinha ainda não tem condições de satisfazer todas as suas necessidades e urgências e que perante a sociedade ela não tem condições de responder por si mesma o que torna o adulto responsável por tudo que lhe diga respeito, pelo muito que pode fazer em seu benefício.

Os animais se desenvolvem através do próprio movimento e a natureza lhes oferece os meios adequados para este fim. Os moluscos puxam água de seu ambiente marítimo e como bombas de sucção dela retiram aquilo que precisam. Já os corais, sob certo aspecto lembram a criança, na tenra idade, que precisa que os alimentos e os cuidados a procure, pois eles são fixos e, como a criança, limitados nos seus movimentos. A lagarta que surge dos ovos das borboletas, imediatamente, procura satisfazer sua fome e necessidades.

Jamais deveria o adulto pensar que viver é suficiente para a criança e que sua inteligência cresce como o cabelo na cabeça das pessoas. Este tipo de raciocínio deixa ver apenas uma mínima parte das reais necessidades da criança e, neste caso, a mente infantil se acha fadada ao enfraquecimento e à passagem pelos períodos sensitivos em condições de insatisfação e desamparo. Como consequência, advirão uma série de desordens, manhas, desajustes, desde a mais tenra idade.

Porém, o maior perigo é a criança ser oprimida pela autoridade do todo poderoso adulto – dono da situação - que lesa a semente da sua própria espécie – a criança - com seu pensamento errado e seus atos imponderados.

Necessário se faz rever certos pontos tocantes à inteligência da criança.


1. O amor apaixonado que a criança sente pelo seu ambiente, fato que é visível nos primeiros cinco anos de vida.


2. No seu 1º ano, a criança já viu quase tudo que existe no seu ambiente e já organizou estas idéias na sua mente através de seu próprio esforço interior. E, não o realiza só por intermédio de seus próprios sentidos. Existe precisão, avidez e escolha no processo.


3. Em seu 2º ano, a criança observa detalhes mínimos de coisas ínfimas, quase imperceptíveis. É como se conhecesse todas as coisas maiores e estas não mais o atraíssem.


4. No 3º ano, a criança realiza a precisão de movimentos, conquista que o acompanhará e estimulará suas futuras aquisições, no mundo. Isto lembra a precisão dos moluscos na confecção de suas conchas. Há nos oceanos uma série de diferentes sólidos, oito, que se combinam, se misturam; entretanto, os moluscos só retiram da água carbonato de cálcio para trabalharem com precisão, na construção que é própria da sua natureza.


Neste ponto, pode-se tecer um paralelo à alma da criança que, dentre muitas coisas, escolhe aquilo que mais a toca, colocando-as em ordem, segundo sua direção interior. Isto é muito mais plausível do que aceitar que este ou aquele fato ocorra devido à idade da criança. Não é neste conceito que o adulto deve confiar. A criação deve tender para a perfeição, com o adulto consciente de que a criança ainda não detém seu próprio poder, e que esta criança conta com o auxílio e a ação do adulto para ajudá-la a desenvolver seu “desenho” interior.

A Inteligência é a maior graça concedida ao homem e seu valor aí se encontra. Ele não é apenas um corpo e a construção de sua mente é devida à criança em seu desenvolvimento.

Se o homem pesquisar qual é o primeiro ato de inteligência que ele realiza, sem dúvida é o pensar. Ato observado em bebês de apenas três semanas. O raciocínio é a base de toda orientação sobre a qual tudo se movimenta e, à medida que a inteligência se desenvolve permitindo o acesso e o movimento entre causa e efeito, o ser pondera sua compreensão sobre as coisas, os resultados de seus atos, o começo e o fim e, a partir de um só ato de conquista a criança pode se projetar ao infinito. É a evidência do progresso a partir de um movimento interior.

O outro poder ao qual me refiro (Maria Montessori) é o da Abstração. A mente é formada de abstrações – idéias, que concebe a partir de coisas materiais, concretas.


A idéia é comparada ao desempenho do avião, que levanta vôo a partir do solo (concreto) e se lança no ar (abstrato). Sabe-se que o material de desenvolvimento Montessori apresenta as abstrações de forma concreta.


O discurso, em essência, é abstrato e as palavras o representam. Tudo consiste de ideias abstratas, de outro modo a linguagem seria restrita apenas a alguns nomes de coisas. Nomes como necessidade, amor, paixão, precisão, perigo... são todos abstratos. Só pode-se falar de coisas abstratas.

A linguagem não é somente um meio pelo qual o homem pode se comunicar para expor suas necessidades, de pessoa a pessoa, mas é também um meio para “voar” para o reino da abstração.

Os números, também pertencem a este reino. Existe movimento e construção na mente natural do homem. Nasce-se com este poder, mas é importante ressaltar que a super mente trata de algo diferente. A super mente é formada pela adaptação da inteligência do homem ao supra ambiente que ele criou.

É nas primeiras ações do homem que se encontram os indícios do potencial do desenvolvimento de sua mente. Não será descrito aqui este processo. Apenas serão apresentados exemplos para esclarecer este conceito.


Quando o homem primitivo se viu obrigado a lutar com os animais selvagens foi preciso que desenvolvesse ao máximo determinados sentidos – vista e audição - a um extraordinário nível de acuidade. Foi obrigado a aperfeiçoar sua agilidade e sua fala para se desenvolver até o mais alto grau possível. Porém, um outro tipo de evolução se processa quando o homem ultrapassa os meios naturais de operar e acrescenta elementos que vão ampliar e reforçar seus poderes e, assim, em vez de andar a pé usa alguns mecanismos tipo rodas ou o vento que enfuna as velas de uma embarcação.... Deste modo, aumentando seu próprio poder não apenas desenvolve seu corpo, mas, de certo, sua inteligência, que se adapta ao supra ambiente, limitado em si mesmo, mas, por estes meios, tornando-se ilimitado. O homem se torna maior pelas aquisições de sua mente.

Para o desenvolvimento desta supra mente, algumas coisas são essenciais.


A escrita é uma linguagem superior, inventada pelo homem e sem a qual seu desenvolvimento ficaria prejudicado ou estagnado. De igual modo a Matemática, com seus números e cálculos, é um meio pelo qual o homem pode aumentar seu poder e sem os quais não poderia progredir. Por estes meios ele pode medir e calcular distâncias impensáveis. Quando usa as lentes de aumento dos telescópios, não está usando meios naturais e quando se pensa em tudo que o homem faz com a sua inteligência compreende-se que a super mente faculta-lhe a capacidade de se modificar para se adaptar ao supra ambiente. Esta super mente pode fazer uso de tudo que encontra no ambiente. Esta super mente pode possuir tudo, pode tudo compreender e se tornar o “senhor” de todas as forças,de todas as coisas, capaz de reger todas as energias.


Portanto o homem é como um motor, o centro de um imenso poder. É como se um poderoso ser morasse dentro dele e, à medida que o supra ambiente se expande, também o homem cresce e se expande; assim, a super mente está em perma- nente desenvolvimento . O poder do homem é espiritual e imenso. Ele é o “senhor” de toda a Terra. O “senhor” do visível e do invisível. Ele pode criar tudo, pois ele é onipotente.


Quão rico e feliz pode o homem ser? Ele, dotado desta inteligência e consciência? Estranho é ter que reconhecer que este homem, tão bem dotado, vive tão cheio de problemas neste mundo maravilhoso, por ele criado, com poderes supra naturais, que parece ser uma esfera nova, de cunho espiritual e acima do mundo, mas que ele nomeia como fonte de sofrimento, de amargura e como ele mesmo diz – “a vida é um vale de lágrimas”. E ainda mais que seu poderoso trabalho seja visto como maldição e condenação.


A natureza conferiu ao homem o poder da comunicação verbal para que, cônscio do poder da colaboração mútua, junto a seus companheiros de vida que deve amar e, no entanto, quase sempre odeia e age com a maior crueldade, pudesse descobrir o plano cósmico individual e coletivo e o realizasse na alegria de seu poder de construir o melhor para si e para todos.


Estranho que este homem, o construtor da sociedade em que vive, continue a se debater na dualidade entre seu próprio egoísmo e a necessidade de se adaptar ao ambiente que lhe serve de lar para crescer seu potencial criativo e infinito.


A super mente tem que ser a construtora de algo muito especial. É preciso compreender que a razão de toda contradição começa na vida da criança. O desenvolvimento externo do mundo fica cada vez mais complicado e é preciso dar sempre maior proteção à criança, sobretudo por ocasião do desenvolvimento de sua mente natural.


A tarefa do adulto é a adaptação da criança a este, cada vez mais complicado, ambiente externo.

E, se o adulto não apóia a criança o suficiente para que ela cresça e se desenvolva a fim de compreender e viver melhor neste supra ambiente? Se não percebe que a criança precisa de se desenvolver através de atividades criativas, pois estas encerram importantes diretrizes? E, se o adulto só se preocupa com seus próprios interesses, relegando a criança ao exílio físico ou afetivo? Afirmo que o resultado será um ser humano incompleto para a enorme tarefa que ele tem pela frente para realizar: a tarefa de sua própria vida e da vida em si, na Terra, e com todos seus companheiros de existência.


Dizem os psicanalistas que a criança, reprimida em suas atividades, pelo adulto, e não usando suas energias para seu próprio desenvolvimento, permanece vivendo a nível subconsciente e em profunda confusão, daí resultando uma consciência imperfeita, que gera o complexo de inferioridade. Um ser fechado em si mesmo, tímido e cheio de medos, sem iniciativa, carente de atividade e passivo de tornar-se uma presa fácil da sugestão alheia – uma personalidade falha: um fracasso humano.


Agora direi o que penso:


Digo que estas forças reprimidas, impedidas de se desenvolverem de modo correto, formam os desvios. Desvios deste tipo referem-se ao amor a si mesmo, ao ambiente e à ânsia natural pelo trabalho, que são prontamente substituídos pelo amor ao poder e à posse. O resultado é o desejo de possuir e de dominar.


A mente pesquisadora, curiosa e alegre que se apraz em descobrir o porquê das coisas da vida, inexiste. Não se desenvolveu, não se desenvolverá.


A criança com desvios não aplica suas energias no trabalho. Na realidade lhe falta energia. Apresenta um caráter submisso. Não possui caráter, não desenvolve sua personalidade e disto resulta um espírito competitivo em lugar do sentimento de amor mútuo, sem preenchimento de vida, em relação aos outros.


Irei ainda mais adiante para dizer o que concluí. E meu pensamento se diferencia sutilmente do de alguns dos cientistas desta área da psicanálise.


A diminuição e o bloqueio da personalidade da criança, não é apenas o resultado da inibição ou repressão causada pelo adulto, mas advém em muito da falta de liberdade que a coíbe de realizar seu próprio trabalho e de desfrutar das alegrias de suas escolhas mais íntimas. A criança foi impedida de seguir seus dons e inclinações naturais e de criar, através de seu livre arbítrio, o que mais sonhava. É o trabalho que normaliza a criança.


Fica claro que a ajuda do adulto é uma necessidade absoluta para o desenvolvimento da personalidade humana na criança e que é fundamental para trazer a consciência do “binômio trabalho – destino”, que orienta rumo a um destino supra, do momento que leva à compreensão e à visão do todo.

O pensamento de que algo dirige a nos faz crer que o dito de que a História é a Mestra da Vida é verdadeiro. Penso que a vida deveria ser o “senhor” e o legislador do movimento Vida. Mas fatos e experiências não podem nos ajudar aqui. O mais importante é a visão da realidade no caminho a ser percorrido.

Estar consciente do ponto alcançado pelo progresso em andamento é de suma necessidade para uma ajuda efetiva ao homem no sentido de se localizar e de perceber seu próprio poder. E tudo se baseia no desenvolvimento da personalidade humana.


O homem precisa tomar consciência de seu poder e, para que isto venha a acontecer, a criança precisa se desenvolver.


A sabedoria ensina e espera que o homem se conscientize de sua própria beleza e grandeza e reine. Não para tornar-se um escravo melancólico da vida que criou. Esta deve ser a aspiração de todo ser humano adulto, para que se coloque a serviço da criança e a ajude, presenteando-a com a coragem e o amor, que tanto necessita para construir um adulto amoroso, criativo e pacífico para que o mundo e o futuro sorriam para todos.

OBS:

*supra natureza

*super mente

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